“Estou com uma dor de cabeça que não passa. Será que preciso de óculos?”
- Dr. Davi Queiroz
- 4 de jun. de 2021
- 6 min de leitura

A dor de cabeça, também chamada de cefaleia, é uma das queixas mais comuns em consultórios e pronto atendimentos, além de ser também um dos quadros que mais demanda interrupção de atividades, seja de lazer ou de trabalho. E a pergunta que muitos pacientes fazem é: estou com dor porque preciso usar óculos? Muitos pensam que “forçar a vista”, fazer grande esforço durante uma leitura ou durante o trabalho, pode levar ao quadro de cefaleia. Apesar de que, num primeiro momento, possa parecer um raciocínio correto, não é bem por aí.
Quando o paciente comparece a consulta e relata estar com dor de cabeça (cefaleia), o primeiro passo que o médico tem que cumprir é diferenciar se a pessoa apresenta uma cefaleia primária ou uma cefaleia secundária, ou seja, se a dor de cabeça é o problema em si (cefaleia primária) ou se a dor de cabeça é consequência de outra doença existente (cefaleia secundária). Temos exemplos clássicos: todo mundo conhece alguém que sofre de enxaqueca, também chamada de migrânea. Ela é um grande exemplo de cefaleia primária, em que a dor de cabeça é o pilar do quadro. Apesar de ser a mais conhecida, a enxaqueca não é a mais comum – a cefaleia tensional, que é explicada por tensão das diversas musculaturas do crânio, é a mais comum de todas as dores de cabeça primárias.
Mas quando pensar que o paciente está com uma cefaleia secundária, ou seja, causada por outro problema de saúde? Algumas vezes é simples: uma pessoa que nos conta que está com nariz entupido, muita coriza e, além disso, dor de cabeça na região frontal (na testa), muito provavelmente está com uma sinusite. Daí o foco do tratamento não será a dor de cabeça, mas sim o quadro infeccioso ou alérgico por trás da sinusite. Porém, por diversas vezes não é fácil decidirmos se a pessoa que nos conta que está com dor de cabeça precisa ser investigada com algum exame de imagem (como tomografia ou ressonância) ou algum exame de sangue. Existem alguns sinais que chamamos de red flags ou sinais de alarme para sempre levarmos em consideração a hipótese de uma cefaleia secundária. São eles: presença de sinais sistêmicos concomitantes (como febre, prostração, dentre outros); se existe história tumores malignos, prévios ou atuais; dores de cabeça que são acompanhadas por déficits neurológicos, como perda de força em um lado do corpo, desmaios, sonolência excessiva, convulsões etc; quadros de dores que chamamos de trovoada, que são aquelas que em menos de um minuto alcançam uma intensidade de dor muito alta, sendo considerada por vezes a pior dor da vida; pacientes com mais de 50 anos que nunca tiveram história de cefaleia e que, de repente, passam a ter dores de cabeça frequentes; pacientes que já tratavam quadros de cefaleia prévios, mas que a dor atual é de um padrão completamente diferente da antiga; na presença de alterações oftalmológicas, como perda de visão, embaçamento visual; cefaleias que apesar do tratamento apresentam piora progressiva; aquelas que se iniciam após algum acidente ou impacto na cabeça, que se apresentam durante a gestação ou no período pós parto (puérpero) ou então que surgem em pacientes com sistema imunológico deficiente; e por fim, dores de cabeça que demandam uso abusivo de analgésicos (mais de 10 comprimidos para controle da dor por mês).

As situações citadas acima são aquelas que nos fazem pensar num quadro secundário por trás da dor de cabeça. Mas como o médico faz para saber se a dor de cabeça que acomete o paciente é uma cefaleia primária? Qual exame precisamos pedir para dar o diagnóstico de enxaqueca ou cefaleia tensional? A resposta é: nenhum exame! O diagnóstico das cefaleias primárias é um diagnóstico clínico. E quando dizemos isso é porque o segredo para o esclarecimento do quadro está na entrevista médica (anamnese) e no exame neurológico. Para esclarecermos a origem da cefaleia, precisamos esclarecer alguns pontos fundamentais: em qual região da cabeça a dor predomina; se a dor irradia para alguma região; qual a intensidade da dor e se o paciente precisa interromper as suas atividades; qual o tipo de dor (se é uma dor que aperta, se é uma dor que pulsa); qual a duração da dor; quais os sintomas associados a cefaleia (náusea, vômitos, fotofobia, fonofobia, suor excessivo na face etc); quais são os fatores que desencadeiam a dor, ou que atenuam ou agravam o quadro; se existem sintomas que antecedem o início da dor (perda de parte da visão, presença de imagens cintilantes na visão do paciente, por exemplo); por fim, se o paciente faz uso de algum analgésico para controle da dor e se a resposta é satisfatória. Com todas essas informações conseguimos, em grande parte dos casos, caracterizar alguma das cefaleias primárias.
Veja:
a. Enxaqueca: a dor da migrânea (outro nome dado a enxaqueca) apresenta-se de forma pulsátil, geralmente acometendo um lado da cabeça, muito intensa e que obriga o paciente a interromper suas atividades. Dura entre 3 horas até 3 dias, associado a náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia (luz e sons incomodam o paciente). Um fator atenuante muito conhecido é deitar-se em um quarto escuro, estratégia utilizada por muitas pessoas. Diversas vezes o quadro é desencadeado por algum tipo de alimento (queijo, chocolate), algum tipo de cheiro (perfumes) ou privação de sono. A enxaqueca que chamamos de “clássica” é aquela que se apresenta com aura, nome que designa sintomas prévios a dor de cabeça – manchas coloridas ou escuras no campo visual, espasmos de musculatura, dentre outros. A resposta aos analgésicos por vezes é incompleta, sendo mais satisfatória quando utilizados no momento da aura ou logo no início da dor;
b. Cefaleia tensional: a dor geralmente é em peso, em aperto. Acomete mais comumente a região frontal, bilateral. Inicia-se de forma leve e apresenta piora progressiva ao longo do dia, por vezes relatado por pacientes que “está mais forte quando chego em casa, após o trabalho”. Apesar de incômoda, não obriga o paciente a interromper suas atividades de lazer ou laborativas. Pode durar dias a semanas, sendo a grande característica uma dor de cabeça pior ao final do dia e que melhora depois de dormir, porém retornando no dia seguinte. Neste caso, a falta de óculos com lentes corretivas adequadas pode piorar o quadro, vez que o paciente tem maior risco de permanecer com musculatura da fronte contraída por mais tempo. Porém, raramente será essa a causa da dor. É prevalente a coincidência do quadro álgico com momentos de estresse na vida pessoal, no trabalho, períodos de maior ansiedade ou preocupação. Desse modo, uma grande estratégia do tratamento é atuação nos fatores desencadeantes do dia a dia;
c. Cefaleias autonômicas: compõe um grupo de dores de cabeça menos comuns, mas que quando ocorrem são muito incapacitantes. Um dos exemplos é a cefaleia em salva, quadro que acomete mais homens, sendo a grande característica uma dor lancinante na região do olho (direito ou esquerdo), associado a congestão nasal súbita, sudorese e lacrimejamento do mesmo lado acometido. A dor dura poucos minutos, mas recorre por diversas vezes no mesmo dia;
Existem diversas outras cefaleias primárias, mas que por serem menos comuns não serão tratadas neste texto, uma vez que precisamos conversar ainda sobre um assunto muito importante: a cefaleia por abuso de analgésicos. Exatamente por ser um quadro bastante incapacitante, por vezes diante de uma dor de cabeça é comum que os pacientes se automediquem com frequência, recebendo sugestões de amigos e vizinhos sobre qual seria o melhor analgésico para aquele tipo de dor de cabeça. O problema que isso pode causar é enorme e, por vezes, inimaginável. Diversos estudos realizados no mundo, principalmente Europa e América do Norte, demonstraram que o uso abusivo de analgésicos (dipirona, paracetamol, ibuprofeno, diclofenaco, aspirina etc) podem levar a piora do quadro de dor de cabeça e uma maior dificuldade no controle da dor. O termo abusivo pode nos enganar, já que nos faz pensar em um paciente que toma remédio para dor de manhã, à tarde e à noite, de domingo a domingo. Mas não se engane! Os estudos já demonstraram que para medicamentos como dipirona, paracetamol e ibuprofeno, o uso de mais de 10 comprimidos em um mês pode ser suficiente para dar início ao quadro de cefaleia por abuso de analgésicos. Para ficar mais fácil de entender, se você é um paciente com dores de cabeça frequentes e que precisa tomar três comprimidos de dipirona por semana, o que parece pouco a princípio, você é uma pessoa de alto risco de desenvolver esse tipo de cefaleia. E sabe quais as consequências? Uma revisão publicada na Lancet Neurology em 2018, uma das maiores revistas de neurologia do mundo, demonstrou que pacientes com abuso de analgésicos demoraram meses ou até anos para conseguirem controlar os quadros de dor e, infelizmente, uma parcela significativa não conseguiu ficar livre de dor. Então, cuidado!
Portanto, se eu pudesse fazer um resumo de qual o recado queria deixar com vocês, leitores, sobre as dores de cabeça, seria: nem tudo é tão simples e que um simples remédio ou pesquisa em sites de busca possa resolver; procure um médico de sua confiança e compartilhe sobre o seu quadro de dor de cabeça para que possam, juntos, determinar o diagnóstico e a forma mais efetiva de tratamento. Chega de dor de cabeça, literalmente.
Viver sem dor de cabeça é viver mais feliz...
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